Ele prestou serviço no Instituto por 29 anos. Aí
veio a peste. A tal covid 19.Ele se manteve firme e forte ,cumprindo sua
jornada e tomando as devidas precauções, utilizando o que era oferecido pela
empresa. Havia falta de EPI ( Equipamento de Proteção Individual) adequado,
sim. O que não havia era permissão para falar .Haviam pessoas, companheiros
seus, se infectando e adoecendo...e o silêncio tétrico e pesado no ar... e mais
pessoas se infectando. Ele tinha que continuar ,Havia seu compromisso .E contas
para pagar .O tempo lhe daria aposentadoria; a empresa não. Agora nem férias
poderiam tirar.
Clareliz ,sua companheira de trincheira, fora
atingida pela peste .Dona de casa ,servidora pública, mãe e avó dedicada. Trabalhou
mesmo após surgirem os primeiros sintomas, pois não tinha autorização para o
afastamento. Com o agravamento dos sintomas, foi feito o teste .A confirmação e
a internação foram rápidas .Cerca de 15 dias na UTI onde por diversas vezes
havia trabalhado. Aplausos hipócritas na saída do carro fúnebre.
-“Não tem como afirmar que foi aqui que ela pegou o
vírus”.
Observação infeliz de quem pouco se importa e menos
ainda se sensibiliza.
-“Ela já estava realocada em funções administrativas
atendendo indiretamente os pacientes não covid...mas não se pode ficar vigiando
as pessoa o tempo todo”
A culpa é dela então?...teria saído de suas funções
para se expor e se contaminar?
Oh, relato insensato e insensível.
Ele ouviu essas e outras “justificativas” de quem
pouco se importa com a vida, a saúde e/ou desgraça alheia.
Desânimo, sensação de impotência, terror camuflado
em coragem, força forçada por falta de opção e a inevitável pergunta que não
quer calar; serei eu o próximo número da estatística?
Veio o dia atípico de sensações atípicas, ou típicas
de quem fora lambido por Thanatus.
Então buscou o serviço de saúde mais próximo e fora
afastado pelos 14 dias de praxe, contudo fora contatado por seus supervisores e
advertido do prejuízo que teria em seus vencimentos ,ainda que justificado por
atestado médico.
Seu retorno fora marcado de incompreensões, ameaças e observações ofensivas; ”Não deveria estar
aqui. Está contaminado .Tinha que ficar em sua casa.”
Posto isso, ainda exigiam outro atestado ,uma vez
que o que havia trazido ,fora “perdido” pelo serviço de recursos humanos.
Teria retomado suas atividades; se não o fez, foi
por ter sido rapidamente enfraquecido pela doença e logo internado na UTI onde
por longos anos prestara serviço.
Contudo sua estada não chegara à 30 dias.
Tivera algum tempo para rememorar Clareliz. Também
Inezita e Júlio lhe vieram à superfície da mente. Foram ambos atingidos. Júlio
optou por se internar em outro serviço, pois tinha convênio e achou por bem deixar
a vaga à alguém que mais necessitasse
Inezita não tivera opção e fora internada nessa
mesma UTI, e como Clareliz, fora vencida pela peste. Seria ele o terceiro
guerreiro a ser engolido pela UTI dessa instituição...não era uma pergunta.
Lá fora, torcidas contra e à favor de seu
restabelecimento...
Que mundo é esse?
Com que tipo de ser humano trabalhamos?
Júlio retornara depois de 30 dias de torcidas ,
orações e incertezas em uma UTI...e fora aplaudido por seus companheiros.
Wellington também fora aplaudido por seus
companheiros na saída do hospital .Mas não pôde agradecer...estava dentro de um
caixão.