sábado, 29 de agosto de 2020

Roleta Russa (A Nova Realidade)


Mês Julho. Inverno rigoroso e as previsões para o resto da semana  nada auspiciosas.

O som estridente do despertador desconhece compaixão. Ela o desliga e por um instante ainda se desliga da realidade. Cinco ...dez minutos e em pouco tempo se vê  em ruas desertas e gélidas a caminho do hospital onde fora admitida para a equipe de enfermagem há quase 30 anos.

A enfermagem não é um sacerdócio e menos ainda um meretrício. É mais um trabalho digno entre tantos outros ,mas com frequentes ataques da mídia a enxovalhar a reputação de seus profissionais com imagens e ideias deturpadas de mulheres exiguamente vestidas e de atitudes dignas de reproche.

Há que se afirmar ainda que não há sombra de romantismo , coisa que um ou outro espectador  possa cogitar .Há antes o drama e atualmente o revezar constante entre o drama e a tragédia com o advento da pandemia de covid 19,o que mudou ainda que temporariamente o olhar sobre o profissional da saúde, que passou de “peão” á “linha de frente” do combate à peste que parece disposta a dizimar um terço da humanidade... apocalipticamente.

Ajustou a máscara de tecido à face e seguiu em seu andar apressado até se juntar aos outros tantos de faces cobertas e olhares oscilantes entre perdidos e temerosos .Medo é cautela. E junto à cobertura da face e o frasquinho de álcool em gel para as mãos, é tudo o que se tem para hoje.

As pesquisas de vacina caminham com vagar e a morte avança em trote largo. O governante do país debocha de tudo e de todos :”E daí?”...”Todo mundo vai morrer um dia”...”Querem que eu faça o quê?”...

Ela chega ao destino. E agradece à Deus por ter chegado .O dedo de “iceberg ”toca o ponto eletrônico e ela segue adiante qual rês indo para o matadouro. Agradece à Deus por ter um emprego .Sobe os degraus como quem leva tornozeleiras  pesando toneladas. Chega ao balcão de informações  onde conseguirá dar continuidade ao trabalho graças à experiência de longos anos no setor e por ter armazenado no celular informações complementares, pois todo o seu material de trabalho fora retirado e até mesmo o telefone fora colocado em uma sala de entulhos para que ela não tivesse acesso...ele continuava a tocar mas não havia quem o atendesse.

Até a cadeira do balcão era frequentemente retirada pela supervisora do setor para garantir que ela se sentisse desconfortável e talvez não voltasse mais. Tais achaques passaram a ocorrer quando ela não aceitou a transferência feita de forma repentina e sem motivos plausíveis ,para um setor onde não poderia atuar por motivo de restrições médicas conforme justificado com relatórios e laudo médico .Os atuais gestores não aceitam ser contrariados .O assédio moral é prática conhecida e arraigada no serviço público .Há vítimas que chegam ao suicídio por não suportar tanta pressão e humilhação .E não são raros os casos ,infelizmente...

Por volta das doze horas ,ela descia as escadas rumo ao refeitório quando deparou com mais uma manifestação de aplausos na saída de um carro fúnebre. Mais  um companheiro de jornada abatido em sua labuta pelo pão.

Respirou fundo, fez uma prece e retornou. A refeição não lhe desceria.

Agradeceu à Deus pela vida.

O retorno ao lar com a sensação de perda mesclada ao alívio é realidade de muitos.

Colegas se infectando  ...outros morrendo...

O presidente debochando.

Os supervisores achacando.

A vida girando ... não mais como um carrossel: roleta russa.

 

 

 Silas Santos

Folha que o Vento Leva

 

Ele prestou serviço no Instituto por 29 anos. Aí veio a peste. A tal covid 19.Ele se manteve firme e forte ,cumprindo sua jornada e tomando as devidas precauções, utilizando o que era oferecido pela empresa. Havia falta de EPI ( Equipamento de Proteção Individual) adequado, sim. O que não havia era permissão para falar .Haviam pessoas, companheiros seus, se infectando e adoecendo...e o silêncio tétrico e pesado no ar... e mais pessoas se infectando. Ele tinha que continuar ,Havia seu compromisso .E contas para pagar .O tempo lhe daria aposentadoria; a empresa não. Agora nem férias poderiam tirar.

Clareliz ,sua companheira de trincheira, fora atingida pela peste .Dona de casa ,servidora pública, mãe e avó dedicada. Trabalhou mesmo após surgirem os primeiros sintomas, pois não tinha autorização para o afastamento. Com o agravamento dos sintomas, foi feito o teste .A confirmação e a internação foram rápidas .Cerca de 15 dias na UTI onde por diversas vezes havia trabalhado. Aplausos hipócritas na saída do carro fúnebre.

-“Não tem como afirmar que foi aqui que ela pegou o vírus”.

Observação infeliz de quem pouco se importa e menos ainda se sensibiliza.

-“Ela já estava realocada em funções administrativas atendendo indiretamente os pacientes não covid...mas não se pode ficar vigiando as pessoa o tempo todo”

A culpa é dela então?...teria saído de suas funções para se expor e se contaminar?

Oh, relato insensato e insensível.

Ele ouviu essas e outras “justificativas” de quem pouco se importa com a vida, a saúde e/ou desgraça alheia.

Desânimo, sensação de impotência, terror camuflado em coragem, força forçada por falta de opção e a inevitável pergunta que não quer calar; serei eu o próximo número da estatística?

Veio o dia atípico de sensações atípicas, ou típicas de quem fora lambido por Thanatus.

Então buscou o serviço de saúde mais próximo e fora afastado pelos 14 dias de praxe, contudo fora contatado por seus supervisores e advertido do prejuízo que teria em seus vencimentos ,ainda que justificado por atestado médico.

Seu retorno fora marcado de incompreensões, ameaças  e observações ofensivas; ”Não deveria estar aqui. Está contaminado .Tinha que ficar em sua casa.”

Posto isso, ainda exigiam outro atestado ,uma vez que o que havia trazido ,fora “perdido” pelo serviço de recursos humanos.

Teria retomado suas atividades; se não o fez, foi por ter sido rapidamente enfraquecido pela doença e logo internado na UTI onde por longos anos prestara serviço.

Contudo sua estada não chegara à 30 dias.

Tivera algum tempo para rememorar Clareliz. Também Inezita e Júlio lhe vieram à superfície da mente. Foram ambos atingidos. Júlio optou por se internar em outro serviço, pois tinha convênio e achou por bem deixar a vaga à alguém que mais necessitasse

Inezita não tivera opção e fora internada nessa mesma UTI, e como Clareliz, fora vencida pela peste. Seria ele o terceiro guerreiro a ser engolido pela UTI dessa instituição...não era uma pergunta.

Lá fora, torcidas contra e à favor de seu restabelecimento...

Que mundo é esse?

Com que tipo de ser humano trabalhamos?

Júlio retornara depois de 30 dias de torcidas , orações e incertezas em uma UTI...e fora aplaudido por seus companheiros.

Wellington também fora aplaudido por seus companheiros na saída do hospital .Mas não pôde agradecer...estava dentro de um caixão.

 

terça-feira, 19 de maio de 2020

DÍSPAR II

E a vida
Tão preciosa vida
Que nada valia
Aos governantes
Agora vale menos
Bem menos que antes
Querem salvar(e engordar)
Seus polpudos reais
E o pouco dado em esmola
Escasseia cada vez mais
Já viram?...corona vírus
Virou sobrenome de tudo
É "plantão corona vírus"
"Corona vírus no ar"
Terror como nunca viram
E ele não pára de matar
A névoa da incerteza
Cobrindo a vastidão
É caos,medo e tristeza
Tomando cada nação
E o auge da pobreza
Cerceando multidões
Enquanto a tal nobreza
Segue contando
Seus bilhões.


segunda-feira, 18 de maio de 2020

Díspar

É certo que não estamos
No mesmo barco
Estamos todos
No mesmo mar

Uns com iates e aparato
Festejando até passar
Outros com uma jangada e uma zinga
Rezando pra terminar

Uns agarrados à um tronco
À espera da embarcação
Do socorro de outros tanto
Que sequer têm coração

Massa que se esvai em luta
Contra tanto filho da p...
Pra quem a morte dá lucro
Que se dane o seu luto

Sua dor não lhes é sentida
Que se f...a sua vida
Contanto possam lucrar

Que se lasque a sua dor
Só pelas mãos do Senhor
Vão no inferno queimar.

Pandemia

terça-feira, 21 de abril de 2020

Plena

Embriagada estava
De amor sublime
Quente qual lava
Efeito devastador
Paixao incandescente
Fulmina devasta a dor
Alma resplandecente
E tudo inunda de cor
É plena felicidade
Insta ao criador
Que seja eternidade.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Podres Poderes

Quando ouvi de uma amiga,que esta foi aconselhada por um órgão de defensoria pública,a pedir demissão,alegando que ninguém quer peitar o Estado ,eu fiquei surpresa,principalmente porque ela buscava ajuda contra os abusos e perseguições em geral,que estava sofrendo no ambiente de trabalho...coisa de assédio moral mesmo...covardia total da parte dos gestores de serviço de enfermagem que perseguem,segregam,atormentam e infernizam diversidades...principalmente etnia e religião,aparência...
Eu fui "avaliada"como péssima funcionária por um calhorda que eu não conheço e verifiquei que a criatura em questão ,trabalha fora do meu período de trabalho e em outro setor...essa é a atual gestão daquele Instituto...
Passei por situações piores ainda mas os órgãos públicos que deveriam atuar em defesa dos injustiçados,limitam se a fazer com que os denunciantes se calem...e o que é pior, a poder de ameaças...
Eu ,por exemplo,senti que , a mesma pessoa que me atendeu tão bem,me acolheu e mostrou tanta compreensão e respeito por mim na primeira oitiva,por ocasião de uma denúncia que apresentei ao órgão,também me intimidou e aconselhou a ceder aos caprichos pessoais dos denunciados ,não discordar e ficar em silêncio,inclusive não contar a meus advogados sobre o ocorrido na tentativa de conciliação onde me foi dito ainda que eu poderia ser exonerada se prosseguisse... e eu não deveria dizer nada a meus advogados.Bizarra orientação,pois,se a Constituição me garante o direito de estar assistida por advogados,logo devo passar todas as informações que facilitem o trabalho dos mesmos em defesa de meus direitos..Infelizmente,quem trabalha nessa instituição e passa por situação de assédio moral (e se apresentar diversidades não toleradas pela atual gestão,vai passar),precisa contar com defensores particulares e com a Justiça Maior,que é a de Deus...e ainda assim são muitos os servidores afastados por doenças ocupacionais,incluindo depressão,estresse e até síndrome do pânico devido a esses abusos...e ainda proíbem o psiquiatra do Instituto ,de atender esses servidores ,dificultando assim o restabelecimento da saúde e retorno à suas atividades...é desumano.É crudelissimo.